Às vezes o passado é tão presente e o distante está tão perto. É o que sentimos no almoço na casa da avó, no pão doce com cajuína (ou tubaína ou simba, alguns dirão “pastel com dindim” – eu mesmo poderia dizer), no abraço dos amigos, nas crianças jogando bolinha de gude ou “futebol de travinha”, ou rodando pião (sim, isso ainda existe aqui e ali). Estamos todo o tempo e o tempo inteiro perto de quem fomos e do que tivemos. Não só isso.
Às vezes, mas só às vezes mesmo, somos capazes de nos ver nos outros, de sentir que no sorriso do flanelinha mirim há um pedaço da infância da gente, de constatar que na cantoria do menino do pandeiro no ônibus há um “eu cantando no chuveiro”. Bobagem?
Se não fosse só “às vezes”, veríamos que, de fato, somos o passado, o presente e o futuro uns dos outros.
quarta-feira, 27 de novembro de 2013
Redivivos
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quarta-feira, 6 de novembro de 2013
Saudoso
Amor, deixe essa porta aberta
Deixe-me ver tua sombra
Curar essa solidão
Amor, cante ao tomar seu banho
Deixe seu canto mavioso
Lavar o meu coração
Amor, deixe seu cheiro no quarto
Quando calçar seus sapatos
E finalmente partir
Amor, só não me deixe esperando
Tão logo termine o dia
Volte depressa pra mim.
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quarta-feira, 23 de outubro de 2013
Mais um
Noite nos olhos famintos
Fome nos lábios aflitos
Frio nos braços esguios
Tombo nos passos perdidos
Riso nas caras avaras
Pena nas almas penadas
Nojo nas alas mais altas
Vida por vida que passa
Outro indigente na praça.
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segunda-feira, 14 de outubro de 2013
Devotamente
Ao vê-la apelo
À vela peço
Que não se apague
Que eu não me apegue
Que ela não vague
Que eu não me entregue
Que o amor não falhe
Que a vida breve
Não nos reserve
Qualquer flagelo
Ao vê-la peço
Que a vela apague.
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quarta-feira, 25 de setembro de 2013
Absentia
Estou farto dos meus exageros
De não me por de pé sem teu beijo
De não tomar café sem teu riso
De não ir trabalhar sem teu cheiro
De voltar sem achar-te à espera
De jantar sem ter u'a companhia
De não ter tudo mais o que eras
De deitar numa cama vazia.
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sexta-feira, 20 de setembro de 2013
Via dolorosa
Ouvi Abismo de Rosas,
Perguntei-me por espinhos.
Nada deles há ali.
Dei-me então por satisfeito,
Saciado de ouvir.
Abriguei-me em um livro
Que de rosas nada tinha,
Mas espinhos,
Mais espinhos
Que as rosas do jardim.
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sexta-feira, 16 de agosto de 2013
Compras à vista
Quer me ver acuado? Me peça para fazer compras em um super/hipermercado. Me sinto roubando. Tenho medo das prateleiras. Eu sei o que devo comprar, eu sempre sei, mas os produtos ficam paquerando comigo e, de repente, me vejo estendendo a mão a algo que não quero nem preciso. Sempre acho que vai dar problema (estouro de limite no cartão, perda de carteira/dinheiro) na hora de pagar. Não chega a ser um inferno, mas é algo entre ele e o purgatório.
Hoje foi um dia desses: dia de compras. "Vou sacar algum dinheiro num caixa eletrônico, aproveito e compro algumas coisas necessárias...", pensava comigo. Uma tentativa de me acalmar e me preparar para o martírio das compras.
Entrei no estabelecimento e... me perdi. Na verdade eu fiquei bem próximo à entrada, do lado de dentro, mas sem saber para onde ir. Procurei um caixa eletrônico nos arredores, não avistei nenhum. Andei olhando desconfiado para os caixas e, imaginem a cena: um careca de 1,81m, cento e tantos quilos, com uma mochila nas costas, apertando os olhos enquanto procura sabe-se o quê. Eu não acharia estranho se o pessoal da segurança me abordasse. Enfim, decidi comprar algo e sacar o dinheiro depois.
O desafio desta nova etapa ficou por conta de encontrar uma cesta ou carrinho. Eu via pessoas surgindo com seus carrinhos - pareciam ter brotado do chão com eles - mas não via onde era possível conseguir um para mim. Isso me causou certa frustração, me fez apertar mais ainda o olhos (que quase não tenho) e me fez franzir o cenho e 'virar os beiços', como se diz. Virei uma carranca ambulante.
Eu faço caretas sem perceber, é a maneira mais comum de expressar o que sinto, já que falo pouco. Se um dia me vir assim, saiba que essa ainda não é a minha forma final... Ops! Quis dizer: não pense que estou com dor de barriga, calos nos pés, sentindo alguma dor ou algum odor ou, o mais comum, raiva de alguém. Apenas estarei 'dizendo' que sinto algum desconforto, nada demais.
Não tente imaginar com que aparência fiquei enquanto perambulava à procura de um carrinho. Isso durou alguns poucos minutos, mas minha 'forma hollow' veio à tona e eu já estava prestes a levar todas aquelas almas simplórias comigo ao 'Hueco Mundo', quando um carrinho brotou no corredor em que eu estava - eu sabia que eles brotavam do nada!
Vibrei com o achado. Era um carrinho abandonado, ainda com alguns produtos dentro. Esvaziei-o e segui em frente. Próxima parada: uma prateleira que tenha leite.
Triste isso, né? Tudo organizado em seções e eu procurando uma prateleira que tenha leite. Sei lá, eu costumo dificultar as coisas, às vezes, quase sempre, frequentemente. Masoquismo? Não, não sinto prazer em sofrer procurando prateleiras. Apenas me sinto eu mesmo fazendo compras sozinho. No final tudo sempre acaba bem.
Compradas as coisas que eram necessárias (quinze itens ao todo) me dirigi à fila de pequenos volumes, para ser empurrado até o caixa. Sim, porque as pessoas se empurram até lá. A fila se move como uma esteira, nem um passo é necessário. Apenas ponha-se na fila e seja empurrado até o caixa. Nada mais prático.
Aguardei impaciente (ainda tinha um saque a resolver) até que minha vez chegou. "CAIXA 02", indicava o painel. Agora era necessário caminhar. Andei (ou me arrastei) desajeitado até o caixa. Esperei passar a compra. Fui informado do valor. Inseri meu cartão no local indicado e, como eu temia, os problemas começaram. Erro de leitura, o visor da maquina apagava etc e tal. O caixa (em treinamento) quase se desespera, um amigo o ajuda, segue-se um ritual de pagamento após o outro e, ao que me parece, a 'divindade' não aceitava a oferenda. Lá pela décima enésima tentativa, podiamos ler: "TRANSAÇÃO ACEITA" e todos viveram felizes para... Não, não. Ainda havia o saque.
Sacolas em punho, embriagado da alegria de ter me visto passar, sem maiores danos, por tudo aquilo. Levitei em direção aos caixas eletrônicos. Com essas entidades lido melhor. Fiz o que devia ser feito, cometi um erro ou outro, saquei o valor que a máquina recomendou (sim, pois o valor que eu queria era inferior ao valor mínimo que ela disponibilizava) e fugi dali, sorrateiramente, sob uma gentil garoa, em direção à parada de ônibus mais próxima.
Contei meus pecados, e olha que não são poucos, à espera do ônibus. A noite estava apenas começando, mas eu nem sempre tenho noção do tempo. A demorada chegada do ônibus me faria lembrar que há algo pior que fazer compras, mas isso fica para outra prosa.
sexta-feira, 2 de agosto de 2013
Declaração
Não sou mar, espelho do teu céu
Sou arte em pedra, tesoura e papel
Não sei mais que ser o que já sou
Sou o vento veloz em pleno voo
Sou o bronze do sino e por ti soo
Sou o que sou e findo sendo teu.
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quarta-feira, 31 de julho de 2013
Gotas de Melancolia
Manhã chuvosa
E If You Could Remenber:
Lembre-se que a vida passa
Como as chuvas insistentes,
Como o Sol tão desejado
Como o tempo, o hoje,
O agora e tudo mais.
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quinta-feira, 25 de julho de 2013
Scio
Hoje eu sei
Que a vida finda em cada esquina
O que se vê
Não é a luz do dia que ainda
Vai nascer
O amor no coração, é minha sina
Assim crer
Que o descrer não me fascina
Mas você
Bem sabe que eu não cria
No que hoje sei.
terça-feira, 2 de julho de 2013
Comercial
Banhe-se
Vista-se
Perfume-se
Aventure-se
Dispa-se
Venda-se
Anuncie aqui.
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sábado, 18 de maio de 2013
Selé
Ela falou: quero pintar o cabelo.
Disse: eu quero vermelho
E vai ter que ser assim.
Ela insiste em brigar com o espelho
E, se eu fico no meio,
A coisa sobra pra mim.
Eu não entendo essa mania, essa manha,
Mas se eu falar, ela estranha,
Então é melhor calar.
E quando calo ela puxa conversa.
Quero ficar fora dessa
E ela quer conversar.
Fala do peso, duma unha quebrada.
Eu não entendo mais nada,
Ela parece tão bem.
Ela reclama que está feia e está gorda.
Acho que está mais pra doida,
Mas é melhor dizer nem.
Ela é tão linda que me deixa abobado
E, se estou ao seu lado,
Eu mal consigo pensar.
Se digo a ela tudo isso que sinto,
Ela acha tudo tão lindo,
Mas logo deixa pra lá.
Volta a falar que está cansada de tudo,
Que desabou o seu mundo,
Pois sua bolsa estragou.
Chora o sapato que morreu anteontem,
Lamenta a falta de fome
E grita que engordou.
Fico perdido nessa conversa dela,
Mas gosto de estar com ela.
Até aqui, tudo bem.
Mas se um dia ela ficar maluca,
Com tanta coisa na cuca,
Eu fico doido também.
quinta-feira, 11 de abril de 2013
Atriz
Nada diz do que sente de fato.
Ameaça morrer em meus braços,
Mas desvia o olhar do meu rosto
E se afasta de mim pouco a pouco.
Dá-se a me entreter com suas manhas.
Faz-me mosca em teia de aranha
E me arranha o peito e o juízo,
Mesmo a alma se achar preciso.
Faz de mim um brinquedo em seu jogo
E me deixa posando de bobo.
Mas se lhe dou afeto, se afasta,
Me abandona qual roupa já gasta.
Dispensado do seu figurino,
Sinto ser nada mais que um menino.
Quando ela voltar a ter fome,
O menino será o seu homem.
sexta-feira, 29 de março de 2013
Incendiário
Olhos de fogo
Fitam a fonte
Do amor que arde,
Do ardor que invade
E incendeia
E incinera
O peito,
A vida
E tudo mais.
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sexta-feira, 8 de março de 2013
Parola
As aves cantam,
Voam, dançam,
Brincam lá fora
Da gaiola.
Parola!
Até lá fora,
Pousam, andam,
As aves cansam.
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sábado, 2 de março de 2013
Verbocídio
Palavra não dita, pensada
Ajuizada em secreto
Julgada e então condenada
Lançada em local abjeto
Palavra perdida na fala
Contida num frágil suspiro
Detida na língua ingrata
Aprisionada num grito
Palavra em silêncio enforcada
Sujeita a ser esquecida
Deitada à bacia das almas
Palavra sem ser proferida.
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sábado, 23 de fevereiro de 2013
Resoluto
Às vezes penso que morrer seria libertador. Mas que liberdade há em ser posto em um caixão, baixado em uma cova e enterrado? Viver é difícil, mas a gente, pelo menos, escolhe algumas coisas, tipo, coisas... né?
Enfim, eu gostaria muito de me dar por satisfeito com minha atuação neste mundo, mas me sinto preso e limitado a certas coisas como protocolos, classe social, meio de transporte e saldo de conta bancária (ou a insuficiência dele). Há quem não sinta o peso desses grilhões, mas eu sinto e até mesmo poderia citar um milhão (talvez mais, talvez menos) de elos dessa corrente que me aprisiona.
Decepções, falta de tempo (ou falta de noção do dele), desânimo, dentes tortos, calvície, a notável saliência abdominal, o sentimento de não ser bom o suficiente, a sensação de não ser bem recompensado quando sou bom em algo, a agonia da espera pelos outros, o desespero quando os outros esperam por mim, os constantes atrasos do 5204, o café que salta da caneca quando procuro me acomodar para consumi-lo, todas essas coisas e talvez mais outras (nem tudo se resume ao que pode ser dito) me prendem dia após dia, mas eu ainda tenho escolhas.
Escolho se vou lamentar ou agir, inclusive escolho a hora de agir ou lamentar. Escolho muitas outras coisas como enfrentar as situações, mesmo que as frustrações estejam a me lamber os calcanhares; escolho não contar o tempo (quando parece faltar) ou contá-lo (quando perco a noção dele). Escolho ceder à animação contagiante das pessoas próximas, sorrir, raspar o cabelo, praticar Hung Gar (se bem que ando ausente ultimamente...), ser bom em algo (independente da recompensa), correr feito um louco (e depois fingir que nem estava preocupado), pegar o 204 e saltar na Integração, limpar o café do chão.
Escolho ficar calado e ouvir; escolho as piadas inconvenientes e sem graça que conto (e as pessoas a quem devo contá-las). Escolho suco em vez de refrigerante, escolho música, poesia, livros etc.
Escolho viver.
sábado, 2 de fevereiro de 2013
À brinca
Mande prender
O cabelo da menina,
Nossa roupa no varal
E o cachorro da vizinha,
Que bagunça o meu quintal.
Que se faça a justiça,
Inda que de brincadeira.
Que se siga a regra à risca
Ou que, de qualquer maneira,
Se insista em segui-la.
Mande soltar
Papagaio, arraia, pipa;
Que brinquedo não faz mal.
Se fizer, chame a polícia,
Mande cartas pro jornal.
Que esse mal vire notícia,
Pra ver se o bem se ajeita
E acaba essa injustiça.
Mesmo que de brincadeira,
Quero a vida bem tranquila.
terça-feira, 29 de janeiro de 2013
Introspecto
Chegada a hora,
A hora precisa ir embora
No exato momento em que chega
E nem faz menção de voltar.
Envolto em planos,
Em segundo plano deixado,
Espero o próximo ato,
Que a espera me ensina a esperar.
Ando parado,
Andejo em meus pensamentos,
Mas estagnado dos feitos.
Nem sei se viver eu sei mais.
Fico sozinho
No escuro do quarto que habito.
Em silêncio alço meu grito
De quem luta em busca de paz.
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quarta-feira, 2 de janeiro de 2013
Retrospecto
O amor chegou ontem
E consigo alguma alegria.
Se não toda, quase muita;
Que a melancolia aguda
É difícil de ser suplantada.
Mas por pouco, quase nada,
Inda reside em mim a tristeza,
De incertezas adornada;
A contê-la, só o amor ajuda.
Se a vida É de todo gratuita,
Lucro mesmo na pouca alegria,
Que o amor chegou ontem.
Perdido por Isaac Marinho às 14:14 0 comentários
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